segunda-feira, 24 de maio de 2010

O PRINCÍPIO ESTÉTICO

Como era possível abrir a janela sabendo que do lado de lá havia uma casa vermelha? Embora o vizinho argumentasse que a nova cor da casa correspondia às tendências contemporâneas mais avançadas da arquitetura, para ele continuaria uma loucura abrir pela manhã as janelas para uma casa vermelha: o vizinho com certeza pirara!
A mulher tentara convencê-lo de que esse fato tinha uma importância mínima para a vida geral que propagava em todo o planeta, que uma simples casa vermelha não alteraria em nada o fluxo global do universo, e que o ar que entrava por aquelas janelas era mais fundamental do que o tênue reflexo escarlate que a cor da casa do vizinho produzia nas paredes da sala. Ele permanecera irredutível: não abriria mais as janelas para essa casa vermelha!
Vieram os amigos, e o calor da sala os afugentou: as janelas, impertinentemente fechadas, produziam uma sensação psicológica de sufoco, mesmo que a temperatura não fosse elevada. Os filhos deixaram de freqüentar a sala e pouco a pouco foram transferindo suas reuniões com os companheiros para a cozinha, depois para o rancho da lavanderia, mais tarde para o bar da esquina e, finalmente, para o vasto mundo das ruas e das noites.
A casa mergulhou no silêncio e a solidão se abateu sobre o casal. A mulher sentava-se de costas para as janelas fechadas, tentando observar pelas cortinas da porta interna o movimento do jardim. Mais tarde, arrancou as cortinas, comprou um ventilador e mandou pintar, atrás de si, na parede das janelas fechadas, uma paisagem marítima com um barco de velas zarpando para o infinito.
O casal foi envelhecendo; os filhos cresceram e casaram, e a casa imergiu na mais completa imobilidade.
Certa tarde de verão, enquanto ambos faziam a sesta, ele começou a observar a decoração da sala e acabou descobrindo que na parede havia duas janelas fechadas. Fazia calor. Apoiando-se na bengala, o velho levantou-se, girou com cuidadoso esforço as maçanetas, empurrou as folhas enrijecidas das venezianas antigas e a luz inundou a sala.
O velho botou o rosto para fora, aspirou o ar e, apertando bem os olhos, contemplou a paisagem.
– Velha, vem ver que coisa linda!
Segurando-se nos espaldares das poltronas, a mulher se levantou e foi para as janelas.
Do outro lado da rua havia oito casas vermelhas.
Adaptação. BORGES, Sílvio Arlindo (Borges de Guarava), Cobaia – conto, cantos, causas. Joinville: Editora do Autor, 1994. p. 178.
Vocabulário
afugentar – afastar
argumentar – apresentar argumentos, explicações
escarlate – cor vermelha
espaldares – as costas das poltronas e cadeiras
fazer a sesta – descansar após o almoço
fluxo – direção, curso, caminho
imergir – afundar
impertinentemente – inconvenientemente, inoportunamente
irredutível – indomável, invencível
propagar – espalhar
tênue – fraco
1-Dois argumentos foram usados pela mulher com a intenção de mudar a opinião de seu marido em relação à casa vermelha. Identifique aquele que apresenta um elemento essencial para a vida e escreva-o abaixo.

2-Coloque V para a(s) alternativa(s) verdadeira(s) e F para a(s) falsa(s).
V F
( ) ( )
As janelas fechadas causavam uma sensação psicológica de sufoco, só quando a temperatura estava elevada.
( ) ( )
As janelas fechadas impediram a entrada de luz e ar na sala por algum tempo, mas, em meio a essa situação, o casal, no auge de sua juventude, continuou interagindo com o mundo.
( ) ( )
Muitas vezes, o ser humano valoriza fatos que em nada alteram a vida da sociedade ou acrescentam algo de bom à sua própria existência.
3-Pode-se dizer que o ser humano, em determinadas ocasiões ou momentos, é irredutível, porém, por alguma circunstância, muda seu ponto de vista. Explique de que forma essa afirmação se relaciona com o texto O princípio estético.

4-Coloque V para a(s) alternativa(s) verdadeira(s) e F para a(s) falsa(s).
V F
( ) ( )
Os filhos do casal não se adaptaram ao novo ambiente da sala, por isso foram, imediatamente, às ruas, onde encontraram o espaço para seus encontros com os amigos.
( ) ( )
Como seus argumentos não convenceram o marido a mudar de idéia, a mulher adaptou a sala à nova condição do ambiente, porém ela continuava a se interessar pelo mundo exterior.
( ) ( )
Ao envelhecer, o personagem só contemplou a cor vermelha porque se deixou influenciar pela arquitetura contemporânea, ou ainda, porque foi pressionado por estas tendências avançadas.
5-
O ser humano é capaz de mudar seu modo de ver e de entender os fatos, mesmo que isso demore a acontecer. Comprove essa afirmação com informações do texto.

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